quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

i'm a fake plastic tree

minha mãe
vai ao banheiro
pegar uma mangueira
pra bater no meu irmão
esquizofrênico de 19 anos

sai dessa cama muleque
e vai tomar um banho

trago os traços
tranço os transes
trombo os tombos

laços afetivos
a là livre mercado
jazem na oquidão
dos silêncios
que caducam

tropiquei
na presença
dos pisicotrópicos
&
tenho um bolso
no meu buraco

ray cruz

eu juro que não ia entrar

      quando entrei no bar, ignorando todos os bêbados estúpidos, suas amigas rapidamente me encurralaram aos gritos.
     "ei! ei! não entre lá!" Ágatha disse apontando para o quarto.
"eu não ia entrar lá."
    tentei desconversar fitando a divisória de pvc e caminhando na direção do fogão.
    jantei. Ágatha me ofereceu queijo, pouco antes de entrar no banheiro com o Galego.
       será que eles transariam mesmo com a porta sem tranca ou só cheirariam um pó?
     os melhores prazeres são temperados com o risco.
     Janaina, outra amiga dela novamente me alertou:
   "ei não entra no quarto, sua mãe ta ficando com um homem lá." 
       ela estava demorando demais pra quem apenas acendia uma vela pra pombagira e outra pro santo.
      cerca de 5 cigarros depois, um branquelo sapecado sai do quarto, com a mão no cós da calça. minha mãe vem atrás com o cabelo louro oxigenado, todo eriçado denunciando que ela não tinha grana pra alisa-lo de novo. seu rosto corado fofoca que ela está de fogo.
        peço o carregador do celular e ela me segue até o quarto.
lá dentro, puxa uma nota de cem do sutiã e comenta:
     "que homem abusado, só me deu cem conto."
        a única coisa que passa pela minha cabeça é que eu não pagaria nem 5 reais pra comer uma quarentona gorda, com canelas de sariema.
      ela me manda lavar os copos e diz que não vai sair mais e daqui a pouco vai fechar o bar.
ufa! não preciso mais fingir que sou um barman simpático enquanto ela se diverte. roubei dois litros de cachaça dela na quinta passada.
       o que a consciência pesada não nos obriga a fazer para simular alguma redenção?
        saio pra comprar cigarro em outro boteco. aviso que vou embora e o cara do quarto pergunta se eu procurava gatinhas.
         emudeço e aponto o cigarro aceso na direção de seu queixo. minha mãe responde por mim e fala do cigarro a poucos centímetros de seu rosto queimado pelo álcool e por algumas horas a mais no sol.
      amanhã ela vai pagar as contas sem precisar trabalhar até tarde. provavelmente até compre os remédios do meu irmão esquizofrênico e idiota.
       a nota de cem, o abuso. e os dois litros que roubei. e o litro que quebrei bêbado na quinta. e a latinha de proibida. ela sabe. ele sabe. todos ali sabem: eu sou um filho da puta.

Ray Cruz

domingo, 22 de janeiro de 2017

a manhã MMXIII: tranca crua

xuuu ruuqui

acorde
mudo

nem
havaianas
convalescem
nas crateras
do asfalto
satélite

rejunte
com os dedos
queimados
o vão
entre cada
disjunção

benza-deusa
na pia d'alva
tranca-cílios

outra ponta
carburando
o mesmo dedo

só dormir
embaixo
da cama
emcima
do teto

ah, pois
soletrar é tão
imprescindível
quanto um zíper
orbitando no ânus
de um domingo mal passado.

ray cruz

sábado, 14 de janeiro de 2017

como socializar
parte I

1 crie perfis em redes sociais, sem fotos sorrindo e entre em grupos de apoio para doentes mentais terminais

2 compartilhe muitos memes niilistas antes de oferecer cana pro pessoal do AA

3 entre em debates com militantes virtuais, use boné do MST e roupas de lã antes de procurar o rebanho mais próximo

4 beba muito etanol em casa

5 saia de casa bebendo e procure eventos em que as pessoas bebem mais que você

6 fume maconha até ter alucinações, então distribua panfletos falando como o clima altera a capacidade de raciocinio das pessoas

7 antes de falar com alguém olhe fixamente para os olhos desta pessoa até que ela pisque 46 vezes

8 mantenha distância de sua família e nunca se apaixone

9 imprima uma estampa de uma foto sua quando bebê em uma camiseta colorida pra todos saberem que você é fofo

10 arranje um certificado de comentarista de séries da Netflix e sagas da revista Avon

ray cruz

vernissage

engulo o âmago amargo
todos os dentes que não
descansam a língua insône

teus olhos sujos
que desenham
um deja vú
no poço
lauto

1:20 pm

quiçá
nunca ouvisse
o que não olvido
ainda tento engolir
como quem mastiga
giletes enferrujadas

beijo
cactos

toda vez
a única vez
nenhum reencontro
aborta outra despedida

rasga mortalha
ninando as horas
que não alvorecem

ray cruz

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

ocaso de vidas prematuras

17:55
Luzia engoliu outro comprimido seco. olhou a água balançando o copo por alguns segundos antes de regar o minicacto murcho
18:00
alguém bate na porta reclamando do mal cheiro que escapa pelas frestas.
24 horas e dois litros de Canção atrás
Luzia imprimiu um meme em uma folha A4 que fixou cuidadosamente na porta do banheiro com durex e cola quente.
não há mais como escrever um bilhete original e criativo. não quando este justifica um ato irrevogável. não nos dias atuais, em que nenhuma explicação parece autêntica ou diferente da canção clichê no rádio da sua avó.

13:00 há um mês atrás
"advinha quem completou o ensino médio?"

"grande coisa minha filha, eu to lavando bosta dos outros é pra meus filho tudo virar doutor."

"a senhora poderia pelo menos me parabenizar."

"quase que não passa de ano, só vive de namorico por ai e ainda quer prêmio por cumprir com sua obrigação?"

18:15
a janela do minúsculo quarto de hotel imita uma tela. a tela da televisão imita a janela e a tela do celular acende no fundo da lixeira.

11:00 há dez dias atrás.

"estou grávida."

"quem é o pai?" berrou Renato após cuspir o café frio em suas pernas.

"o idiota sentado na minha frente."

Renato olhou para os lados procurando outro réu antes de sussurrar que Luzia deveria procurar um açougue e jogar fora aquele monstrinho que ameaçava roubar sua vida.

18:23
Luzia sente a chave indigesta pinicar no estômago roncando. a única chave da única porta do pequeno cubículo onde se hospedaram uma semana antes.

19:00
ela termina de desossar as omoplatas. está consumado. acende um baseado com o capítulo 12 do apocalipse. joga o cacto murcho na privada.

12:00 após dois dias
ninguém acordou. as luzes continuaram acesas. a mãe de Luzia finalmente viu a filha na tv.

Ray Cruz

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

a liberdade é um veneno amargo

no meio do labirinto
eu deito
rolo
&
durmo
porque a saida
é algo que eu
esqueci na entrada

eu estava cansado
de ser real
estou cansado
de ser um personagem
agora estou cansado
de estar cansado

quando não há saída
é preciso correr
mais e mais rápido
contra as paredes
até abrir um buraco
em alguma parede
ou na sua cabeça

no meio do labirinto
nenhum devaneio cresce
minha massa cinzenta
emudece e desvanece

Ray Cruz

domingo, 8 de janeiro de 2017

alea jacta est

"procura debaixo da cama cara. tu vai achar em algum lugar."

"já procurei ontem."

"eu só passei ai, vi a porta aberta e encostei."

"droga."

ela se aproximou lentamente e beijou seu rosto esboçando um sorriso tímido.
"ICH TU' DIR WEH"
Till Linderman berrava no alto falante do celular.
saindo do box do banheiro sua silhueta ampulhetava todos os minutos restantes do roteiro curto de uma vida mais curta ainda.
a porta aberta ovacionava aquela meia garrafa de cantina das trevas que se destacava da meia dúzia vazia.
começando a aparar os pelos com uma daquelas minitesouras de cortar unha. aquelas que os maconheiro adoram usar pra dechavar. Raimundo imagina a lombra que a queratina do seu corpo deve produzir. olhos fechados. mãos trabalhando. boca salivando.um verdadeiro barato.
sente uma resistência incomum em um corte simples. seguida de uma breve coceira.
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!
MERDAA!!! CARALHOOO!!! DESGRAÇA!!! PORRAAA!!!
Raimundo olha pra baixo sem imaginar o quanto é lesado. procura seu pênis entre o tapete vermelho que cresce a sua frente.
procura dentro da latrina, atrás dela e do lado do ralo do banheiro que puxa lentamente seu tapete.
alguns erros bobos mutilam sua auto imagem para sempre. alguns segundos depois e você não consegue cogitar continuar respirando. os pulmões pútrefos começam a encenar a dor que deveria residir abaixo da virilha em uma tentativa falha de catarse.
Raimundo olha a tatuagem de uma tesoura aberta entre uma highway pontilhada em seu pulso esquerdo.
pensa em cortar a jugular e descobre que perdeu a tesourinha.
corre para o quarto e só encontra ajuda na meia garrafa de vinho barato. quando não há saída é preciso correr contra a parede. até abrir um buraco nela ou na sua cabeça.
com o nariz quebrado, o supercílio aberto e a testa sangrando, Raimundo não sente falta dos seus dentes. apenas a dor faz falta nesses momentos. afinal, todos sabemos que nos piores segundos de nossas vidas, estaremos sozinhos até que a eternidade se dilua na intensidade do limite de entropia que nossos corpos e mentes são capazes de suportar.
o mundo começa a dançar cada vez mais rápido.
"mau...dito...vinho"
talvez os últimos dias comendo apenas pão em uma única refeição tenham contribuido. Raimundo apaga.
3:45 acorda suado. o ventilador cedeu ao próprio peso como um enforcado. Raimundo sorri sem graça e olha pra porta. começa a procurar a chave.
no dia seguinte conta o fato ao hoteleiro.
ele lhe manda procurar novamente e avisa que vai  descontar uma diária.
daqui dois dias Raimundo não vai ter dinheiro pra sua única refeição diária de pão, nem onde dormir.
Raimundo termina de beber o restante do litro de vodca e sai para jogar na loteria.
alea jacta est.

Ray Cruz

sábado, 7 de janeiro de 2017

Bela

Bela devia ter uns 50 anos
branca bronzeado câncer
obesa
com olhos verde esmeralda
&
dentes amarronzados bem tortos
fumante de Euro
voz de criança
mentalidade fetal
tetra-viúvinha
prestes a se casar
em um relacionamento abusivo
ganhou um carro em um sorteio local
&
perdeu a passagem pra Paracatu-Mg
desesperada
lamenta
&
me oferece os cigarros de seu último maço
segunda feira 02/01/2017
será que ela sobreviveu
no infernal Valparaíso?
nunca saberei
eu devia ter decorado o número dela
mas sinto que Belatriz
está em um lugar melhor
afinal
foi ela que vigiou minhas malas.

Ray Cruz

domingo, 1 de janeiro de 2017

minha esperança
se enforcou com as tripas
do último sonho natimorto

alforria

gotas rubras escorrem pela pele arrepiada. vidro nenhum resiste, quando o coração quebra. Raimundo sempre odiou assustar as pessoas. assustado demais para ousar assustar. o calor vermelho desenha afluentes entre os pelos do seu antebraço.
a camisa embranquecida pelo sal e pelo sol parece cada vez menor. como uma segunda pele imitando a primeira. os olhos nublados profetizam uma chuva ácida.
Luiz observa atrás de sua habitual cortina de fumaça. algumas cenas queimam mais que churrasco de bêbado.

"obrigado por tornar a minha vida ainda mais difícil"

"me procure, quando quiser se decepcionar."

evitando pisar em cima de uma cueca suja aqui e outra acolá, Raimundo atravessa o quarto com a mesma coragem do primeiro homem que atravessou o deserto do Saara.
Solidão é o nome da sombra que segue seus passos. desde o maldito dia que sua mãe ouviu seu choro pela primeira vez.
Luiz conta alguns grãos de poeira no chão. os ratos em cima da pia disputam os restos com as baratas e os tapurus. os gatos ensaiam uma orgia no telhado. a  lua holofota dois mendigos trepando sem KY.
Raimundo para ao lado de Luiz. unge seu rosto magro com o carmesim de seus dedos. o silêncio tagarela os palavrões mais criativos que a lingua jamais imaginou.
ele avisou que aconteceria. sempre aconteceu. Raimundo fechou os olhos e rasgou o véu em duas partes. não há armários que ofusquem o brilho de um sorriso enlutado.

Ray Cruz