domingo, 26 de março de 2017

ceci n'est pas une affair

um dia os cientistas descobrirão que a pedra filosofal da psicoterapia é a bateria do efeito forer e que recordar é uma doença auto imune

consegui apagar todas as tuas fotos, inclusive os memes, até os nudes

matei o dragão de komodo que parasitava minhas costelas

nenhum touch screen digitando teus dedos na ponta de meus medos

nem o gatinho escaldado
tremendo em cada olho teu mareado
&
não mais aninho gabirus nas tripas dos meus tímpanos

consegui não sonhar contigo pesadelo após noite
não, eu ainda não acordei

mastigo com os ossos
grito com a pele
escuto com os joelhos

cada eu te amo ecoando nos manicômios de tua sanidade alguns segundos antes de você escorrer para outros braços e condensar em outras línguas

folheio grimórios em vão, seu riso doce ainda reverbera em cada passo ébrio que entorto entre minhas crateras cardíacas

adubei
cada trilho
com um SE

plantei espinhos
na última safra de abraços criogênicos

podei
cada
devaneio
que você
habitou

agora

recolho
caminhos
selvagens
o mais longe
in possível
das clareiras de
nosso coração siamês

ray cruz

sábado, 25 de março de 2017

exorcismo para TanathEros I

tô morrendo de medo da morte me encontrar
neste universo
na Via Láctea
no Sistema Solar
no planeta Terra
na América do Sul
no Brasil
no Goiás
na Cidade Ocidental
no bairro Colina Verde
na quadra 08
no lote 30b
no segundo dos dois cômodos da casa
em cima de um colchão encardido
coçando meu olho para não chorar
com essa porra de conjutivite psicossomática
&
de forma alguma pensando em cenas que foram cortadas da minha série-vida
em que sou apenas um figurante sem talento interpretando um mendigo cego vomitando em um beco escuro as três horas da manhã de um domingo nublado

ray cruz

sábado, 18 de março de 2017

você foi o melhor cronocídio da minha vida

ninguém vai entender como nossa reciprocidade se repelia

ninguém viu que tatuei a primeira letra do seu nome com nanquim e uma agulha que achei na rua

ninguém se importa, mas ainda guardo aquele dechavador com fios do teu cabelo dentro

ninguém sabe que já abraçei postes demais sussurrando teu nome

mesmo assim

ninguém aplaudiria o requiem para o dente que perdi bêbado na rua da tua casa

ninguém vai catalogar minha coleção de camisinhas na sua ex gaveta de calcinhas

e mormente

o que ninguém sabe mesmo é que depois de vomitar em cada um daqueles banheiros públicos, eu pichei teu número.

ray cruz

delivery catarse

todas as farpas
condecorando a apoplexia da acédia

em meio ao sumo dos simulacros perdemos a nós mesmos na chacina destas perspectivas cegas

toda excessão
execrando o assédio do tédio

esta esclerose espiritual amiotrófica
dança no berçário das possibilidades caducas

todas as fugas
anistiando o gatilho da memória

meus dedos rascunhando dunas em tuas pernas

todas as desculpas
insinuando que perdão é sinônimo de perda

enquanto os cardumes estimam estigmas
desabrocha cremosa
a metástase do cio

ray cruz

sábado, 11 de março de 2017

silogismos da enxada

quem se importa com a aporia de meus segundos psicóticos
ou
com a fadiga de meus cílios saudosistas?

imaginar-se mortinho da cruz
com uma ostra em que eu assinei bêbado
ocultando minhas vergonhas

qual santo cortou sua língua e dela fez um banquete para os mendigos?

sentir-se mortinho da cruz
com uma maça-do-amor amordaçando meus dentes

percebi que o metrô é um estrangeiro no terceiro mundo quando descobri que lá mendigar é proibido

ver-se mortinho da cruz
black tie a là rigor mortis

sonho com policiais me revistando
nem sempre tenho medo
e nem sempre parece assédio sexual

ouvir-se mortinho da cruz
com gases e vermes ronronando em meu templo

não parir palavra com a boca por cinco dias
e cinco noites
não escrever palavra com os dedos

cheirar-se mortinho da cruz
formol & tabu

abraçar meus ossos abúlicos
como um bikhu num yabyum

degustar-se mortinho da cruz
inchado azedomargo

tatuar a palavra TALVEZ na testa

ruminar-se mortinho da cruz
sem talheres nem dentes nem garganta nem tripas
 
alguns policiais sonham comigo
seu medo fora do coldre
eu: um marco horizontal

saber-se mortinho da cruz
surfando na sesta ébria da inexistência

perscruto o teto frágil
me lembro que nunca transei sóbrio, enterro outra lágrima natimorta

o que é a vida senão uma sucessão de suicídios?

ray cruz

primeira semana do primeiro semestre

ultimei a aurora
antes do ocaso
soltei meus joelhos
agarrei qualquer parede

é falso! é tudo falso!
a gente se encontra no pôr do sol

tudo é um cenário!
passa uma goma ai

todos mentem!
olha esse crocodilo

é tudo uma imensa
pegadinha!
tu já leu o texto?

todo mundo te assiste!
quer um gole?

já soltei a ponta
o último fio capilar
de Ariadne nua

sigo, cego esbarrando
em minha sombra

o que eu não faço por um baseado?

ignorando
minha
caligenofobia
minha
alegerefobia

compre já seu cigarro de palha artesanal Do Mineiro
20 unidades por seis reais
boicotem o monopólio da indústria assassina
de segunda a sexta em frente ao restaurante universitário da Universidade de Brasília.

alguns pensam que me encontrei
até agradecem ao seu deus
mas nunca me senti tão perdido
nunca achei
que houvesse qualquer esperança
que se podesse confessar
sinceramente
sem se odiar.

"alguém pode me dar um real pra interar minha janta?"

"passa ai pra ela"

"toma ai, não fui eu que dei não, foi ele"

"feliz dia das mulheres pra tu"

"algumas pessoas dizem que quem pede assim em ônibus quer usar droga..."

"é mesmo ela deve comprar uma pedra agora"

"mesmo se ela comprar uma pedra e não uma marmita, hoje ela merece pelo menos  viajar."

"..."

onde fica o departamento de filosofia?

sigo, nego
empurrando outra noite
na eterna catarse do mesmo parto inatural.

ray cruz

sexta-feira, 3 de março de 2017

querido fracasso nosso de cada segundo

"no dia que alguma coisa der certo na minha vida, vou me perguntar onde foi que errei."
Piva

sucesso é um manto de seringas que procurei nu no meio da Sibéria

enquanto tentava desgrudar minha língua do gelo seco que lambia para vislumbrar a máscara que não masquei

engatilho outro trago
afio meus calos
cozendo meus traumas

não penso mais
em tua mão sapecando
a maçã de minha face

nem olvidei teus passos ébrios
tatuando adeuses
em minhas retinas sênis

como nunca tive nada
nunca perdi tudo
e
ainda tenho meu estoque de barbíturicos que mangueei do caps
e
cinco lâminas de barbear

as vezes continuar vivendo parece suicídio.

ray cruz

verbofagia II

tripular sem asco
a jenkem trip por vir

trupicar no solecismo eliptíco
v.i.t.r.i.o.l
entre
o vitríolo

briar o tino
sintropicar o fim efêmero
que concebe o abismo fértil

trincar sem tric-trac
a pós vertigem
dum verdugo santo

espremer o céu
gargarejar placentas
vomitar montanhas

umbilicar um sim
onipresente e onisciente
sem doar um passo

tripular o asco
na jenkem trip
porvir.

ray cruz

quinta-feira, 2 de março de 2017

outra crônica em um navio negreiro.

hoje parei de capinar o cascalho quase após o crepúsculo, então conversei com o filho do patrão que cursa filosofia. um leitor voraz de Nietzsche, Kerouac e Bukowski. consegui carregar seis livros e dois Cioran raros.
por conta da pressa, não tomei banho e quando percebi estava no busão, dreadlocks brilhando mais que a árvore do natal passado. purpurina até no cu. roupas sujas, puídas, quaradas e rasgadas. com galhos e folhas na cabeça...
enfim todos começaram a me olhar como um mendigo.
eu podia farejar o medo e o asco em seus olhares.
a cobradora nem me voltou os cinco centavos de troco.
então entendi porque os gatos brincam com a comida. o medo é um prato delicioso, quando o saboreamos nas pupilas alheias.
busão lotado.
uma senhora não conseguia parar de me fitar com o rabo do olho e algumas ousadas encaradas fulminantes.
a maioria das pessoas perto de mim tossia e tampava o nariz.
um infeliz com meias molhadas sentava ao meu lado e mesmo explicando seu chulé, todos me associavam ao odor.
então peguei Do Inconveniente de ter nascido e comecei a ler em pé. caí em cima de um cara e quando a senhorinha que me perscrutava leu o título, sua face se contorceu em uma careta digna de uma criança chupando limão.
eu gargalhei e me lembrei como é bom ser um pária.
quando o cara que amaciou minha queda se levantou eu sentei e li cada aforismo com uma lágrima em condicional e um sorriso criogênico. cinco páginas depois, estava em casa. o medo alheio as vezes é uma anestesia vital.

ray cruz

quarta-feira, 1 de março de 2017

verbofagia I

galgar o galope do último gole que institucionalizar a palavra: G O L P E

mascar o dragão de komodo
após palitar os dentes

tatuar teu nome dentro de uma ostra antes de tentar abraçar uma onda

abrir alguma janela
no muro mais alto
do último desejo casto

vivissecar a morte
de cada despedida
e
púlpitar a petála
sem mover a pálpebra.

ray cruz

outro dia cinza urge...

esculpir um boneco de testes com minha pilha de roupa suja.

não acreditar em escritores que escrevem.

me inscrever em um curso de pompoarismo
e
encontrar alguma utilidade para meus sonetos paralíticos trancado em banheiros apertados.

bolinar um arrebol.

quebrar todos os relógios.
chupar o primeiro gargalo sem gargalhar.

nunca seguir uma placa.
apenas perseguir minha sombra.

arremedar meu medo.

não tentar beijar o máximo de pessoas possíveis para beijar a única pessoa impossível.

curar esta síndrome de Monsanto.

nunca sair daquele mosh na chuva embalado por músicas imaginárias.

nunca olhar a placa
no muro que foi pichado.

se auto sequestrar
para sofrer com síndrome de Estocolmo.

entender como meu amor se converte em distância
e
passar o resto do ano exalando purpurina em abraços menores que este verso.

ray cruz