sábado, 20 de maio de 2017

Dissecando a solidão

diérese

I
respirar alto é indecente
respeite meu coração
cochilando no isopor gelado.
II
coberto de paredes
todo cimento é pouco
para pintar meu precipício.
III
fiscalizo o luto
da poeira
no criado mudo
IV
coloco os pés
dentro da privada
e puxo a descarga

V
contando as guimbas
calculo quantas horas
de vida queimei hoje
VI
quebro os ponteiros
da minha coleção
de berros congelados

VII
clandestino em minha
própria pele
articulo meu êxodo
VIII
exilado na carne
ensaio meu retorno
de cabeça no forno

IX
me ajoelho
diante de espelhos
implorando conselhos
X
rasgo a fantasia
quebro a face
canibalizo disfarces

homeostasia

I
um de cada vez
os botões vermelhos
murcham atrofia muda
II
embaixo das pedras
dentro dos vasos
repousa a queda.
III
o espelho incisivo
arranca as penas
dos pés de galinha
IV
hoje estou usando uma
gravata de arame farpado
em meu coração dilacerado
V
os ralos das minhas
faculdades mentais
gofam silêncios crus
VI
queima de arquivos na sessão
de expectativas nocivas;
perca total das perspectivas
VII
percorro o protesto
do mistério no muco
das saudades insuturadas
VIII
hasteio a agonia
nos trejeitos
do meu leito

IX
corto os cortes
das dores fortes
sorte é a morte
X
cansado de falar sozinho
aprendi Libras pra promover
inclusão social nos solilóquios

síntese

I
viagem intracutânea
introduz acenos de luz
despedida: lá amargo lar.
II
cerca de quinze lágrimas após
descascar o sol
com um bocejo torto

III
levanto os dias
espano o parafuso
regurgito as chaves
IV
lambendo as chagas
com a lingua queimada
azedo medo logo cedo

V
cosendo as beiradas
do desespero sem
qualquer anestesia
VI
soterrado nos escombros
das metas infectadas pelo
entulho da incapacidade
VII
choco o ovo goro
do estorvo de não
dormir de novo
VIII
abasteço com
o que não esqueço
o motor do recomeço

IX
caço o crasso
desembaraço
da lâmina de aço
X
meu púlpito na sarjeta
sou orador e platéia
suicidados pela Liberdade

exerese

I
estéril sempre leva
o consolo verde nas
festas de família.
II
pergunto ao deus
google como me
tornar peshemerga.
III
frito a ração diária
da angústia primária
de minha sina ordinária

IV
nunca engulo
a melodia do
meu coração
V
emboscado pelas cicatrizes
masco o pânico incolor
de esperar a morte atrasada
VI
a mão cansada
de tanta masturbação
ameaça pedir demissão

VII
talho outro
retalho de
sorrir falho
VIII
oportunidade
de ocultar minha
volatilidade

IX
comemoro
cada vez que
me vejo e não coro
X
agradeço toda vez
que me reconheço
isso não tem preço!

Ray Cruz

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